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Interiorização da medicina no Agreste Pernambucano entra em segunda etapa

Propostas de expansão da residência médica em Caruaru/PE.

Propostas de expansão da residência médica em Caruaru/PE.

Hoje o projeto de interiorização da medicina conduzido em Caruaru pelo Núcleo de Ciências da Vida (NCV) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) ganhou mais um campo de atuação. Aguardam autorização novos curso de pós graduação em medicina, com planos de iniciarem suas atividades já em 2015.

Enviamos ao Ministério da Educação (MEC) a solicitação de credenciamento de 7 (sete) programas de residência médica, todos em áreas de grande importância para o Sistema Único de Saúde (SUS) pernambucano, com clara necessidade social. Aguardam avaliação do MEC programas nas  áreas de medicina de família e comunidade, medicina intensiva, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia, psiquiatria e medicina paliativa.  São 30 vagas/ano de residência médica novas em Caruaru, que foram construídas a partir de grandes Parcerias Público-Públicas entre UFPE, Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Estadual de Saúde, Ministério da Educação e muitos trabalhadores do SUS que dá certo, com boas possibilidades de influenciarem a expansão dos programas de residência por outras cidades do agreste. Ofertar residências médicas de boa qualidade tem sido uma das estratégias mais bem sucedidas enquanto fator de atração e fixação de médicos no país. É mais uma política pública que vem para induzir a interiorização da assistência à saúde no SUS.

Importante ressaltar que a construção desse conjunto de programas segue atual conjuntura nacional da formação médica, em consonância com as mudanças da legislação sobre o ensino da medicina no Brasil trazidas pela Lei do Mais Médicos, que preconiza que em toda instituição de ensino que ofereça curso de graduação em medicina, deve existir uma vaga de residência para cada egresso da graduação dessa instituição. No caso do curso de medicina de Caruaru, nossa meta e obrigação legal é de oferecer ao menos 80 (oitenta) vagas de residência médica nos próximos anos. A universalização da residência médica entre os médicos tem potencial para trazer transformações muito positivas para a forma de organização e exercício da medicina no Brasil, assim como para o SUS e para as condições de acesso aos serviços de saúde no Brasil. A UFPE larga na frente pleiteando credenciamento de 37,5% de sua meta de vagas já no primeiro ano de atividades.

Balanço dos projetos de residência médica do curso de medicina de Caruaru:

– 7 programas de residência médica com 60h semanais (80-90% de atividades práticas e 10-20% de atividades teóricas) sob responsabilidade dos preceptores da UFPE, da rede municipal e da rede estadual de saúde;

– Um total de 30 vagas/ano em medicina de família e comunidade, medicina intensiva, clínica médica, cirurgia geral, ginecologia e obstetrícia, psiquiatria e medicina paliativa;

– Um total de 65  bolsas de residência médica, considerando todos os R1’s, R2’s e R3’s;

– Mais investimento público federal na região: as bolsas de residência médica pleiteadas são no valor de R$ 2976,26 (dois mil novecentos e setenta e seis reais e vinte e seis centavos) cada uma. Isso significa mais de um milhão de reais em bolsas para 2015, mais de 2,1 milhões de reais em 2016 e mais de 2,3 milhões de reais em 2017 para essas 65 bolsas de residência médica pleiteadas.

Muito obrigado a todos e todas que se envolveram na construção desse grande projeto,  o apoio da UFPE, em especial a Rodrigo Cariri, Izaias Junior e Raab Albuquerque pela presença decisiva no processo de envio dos projetos à Comissão Nacional de Residência Médica, secretaria municipal de Saúde de Caruaru e aos trabalhadores dos serviços de saúde da região que aceitaram o desafio de radicalizar na construção de um SUS verdadeiramente escola!

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“Mais Médicos” ou o trabalhador pós graduando: trabalho & formação rimam com precarização?

Mais Médicos” ou o trabalhador pós graduando: trabalho & formação rimam com precarização?

Por Marcos Asas, médico de família e comunidade, diretor de saúde da ANPG e conselheiro do Conselho Nacional de Saúde

Muita gente tem perguntado minha opinião sobre o programa “Mais Médicos”, lançado no dia 08 de julho pela presidenta Dilma Rousseff e pelos ministros da saúde Alexandre Padilha e da educação Aloizio Mercadante. Aproveito para colocar aqui que estou contemplado quase na íntegra pelo artigo publicado ontem pelo professor Gastão Wagner. Sintetiza muito bem o que o programa “Mais Médicos” representa de avanço e de retrocesso e aponta outros “nós” do Sistema Único de Saúde (SUS) ainda não tocados pelo governo, além de apresentar propostas alternativas relacionadas a graduação e a residência médica. Vou aprofundar o debate nos pontos do programa do ponto de vista da formação em nível de pós graduação (que inclui a residência médica) e do trabalho em saúde, dialogando com o artigo do professor Gastão:

1. Sobre a forma de “contrato” indicada pelo governo, é importante que fique claro o que isso significa. Ainda que o valor anunciado pelo governo (R$ 9168,20 líquidos) seja superior ao salário médio da categoria médica no Brasil (R$ 8.459,00 segundo o IPEA), é importante lembrar que se trata de contrato temporário (máximo de 3 anos, renovável por outros 3) e precário. O governo defende que a inscrição no programa não configura vínculo trabalhista. É uma “bolsa-formação” e não salário, por agregar um curso de especialização. Por ser uma bolsa, não é tributável pelo Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), mas implica na perda do direito de férias, 13° salário, FGTS, insalubridade e estabilidade, pois trata-se de contrato temporário. Por obrigar a adesão dos bolsistas ao INSS como contribuintes individuais, não há contribuição patronal (da União, no caso) para a previdência. Isso significa a redução da seguridade social. Se a moda pega, o trabalhador da saúde será cada vez mais formados por pós graduandos, num regime duplo, trabalho & formação: continuação da formação universitária+contrato temporário de trabalho/especialização+Menor cobertura da seguridade social+Contribuição individual ao INSS.

2. Esse tipo de contrato de trabalho se assemelha, nessa perspectiva, aos contratos das bolsas de residências em saúde e dos programas de pós graduação strito sensu (mestrado e doutorado). Assim como as residências em saúde são programas de pós graduação da modalidade lato sensu, as bolsas-formação estão atreladas a cursos de especialização, também tipo de formação em nível de pós graduação na modalidade lato sensu. Apesar dessa semelhança, é importante reforçar que essas especializações não estão sujeitas aos parâmetros das residências em saúde, em termos de projeto pedagógico, preceptoria e regras mínimas de funcionamento.

3. Tanto a residência médica quanto a residência multiprofissional em saúde possuem comissões nacionais de regulação, avaliação e acompanhamento. Ainda que carregue problemas na atuação relativa a esses três âmbitos, a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) contribui decisivamente para a qualidade dos programas de residência médica. Não é por acaso que a residência médica é considerada o “padrão ouro” na formação médica. Para se ter uma idéia, a carga horária mínima da residência médica supera as 5.000h (cinco mil horas) em 2 anos. Mesmo sendo mais recente e ainda oferecendo poucas vagas, as residências multiprofissionais em saúde caminham para a mesma direção (e duração).

4. As especializações são cursos em nível de pós-graduação lato sensu que não dependem de autorização, reconhecimento e renovação do reconhecimento pelo Ministério da Educação ou qualquer comissão. Para Instituições de Ensino Superior (IES) já credenciadas, a sua oferta é livre desde que esteja dentro da área de competência da IES e possua carga horária total mínima de 360h (trezentos e sessenta horas).

5. A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) permite aos trabalhadores de saúde a liberação por um período de até 8h semanais para atividades de docência e/ou de educação permanente. O reconhecimento da importância da educação permanente foi algo inclusive comemorado quando a PNAB foi atualizada em 2011. É fácil perceber que a carga horária de 1 ano de educação permanente é superior a 360h, permitindo que as bolsas de formação ocupem esse espaço. É um outro sujeito, que parece residente mas não é: o trabalhador pós graduando.

6. Apesar do discurso governamental quando do anúncio do programa “Mais Médicos” apontar a necessidade de atuar na qualidade da formação dos médicos, o central do programa é claramente garantir o provimento de profissionais. Considerando o atual estado de vazio assistencial a que milhões de brasileiros estão sujeitos quando necessitam de cuidados de saúde, é elogiável que o governo esteja decidido a enfrentar essa situação dramática. Melhor ainda se isso estiver conectado às necessidades de saúde da população e às áreas do SUS com mais carências de especialistas. A depender do valor de uso que essas especializações consigam representar para o trabalhador de saúde, essa pode ser uma oportunidade inclusive de qualificar a formação dos profissionais. Mas precisamos debater o que a consolidação desse papel assistencial da pós graduação representa nos seus múltiplos sentidos: formação de especialistas; indução/regulação do mercado de trabalho; redução da seguridade social para os trabalhadores; precarização do trabalho; trabalho temporário; ampliação do acesso à serviços de saúde; integralidade; controle social e educação permanente.

7. Insisto no que pontua o professor Gastão Wagner. Precisamos de “(…) uma ampla e generosa política de pessoal: repensar a formação, carreiras com responsabilidade, condições de trabalho adequadas, e educação permanente.(…)”. É uma sinuca de bico: o governo federal resistiu enquanto pode à criação da carreira de estado para trabalhadores de saúde, apesar da declaração recente de apoio; não conseguiu criar uma Fundação Estatal para a área e enfrenta fortes resistências à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) nas universidades e no Conselho Nacional de Saúde (CNS). É importante lembrar que mesmo com todas as contradições dessas duas modalidades de administração pública indireta, do ponto de vista da garantia de direitos, ambas ao menos poderiam garantir aos trabalhadores toda a seguridade social da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além de garantirem o cofinanciamento da previdência através da contribuição previdenciária patronal. Nada impediria que o governo oferecesse complementação da formação: as especializações poderiam compor o período probatório, por exemplo. Inclusive no caso da carreira de estado.

8. A opção pela contratação temporária dos trabalhadores de saúde através de bolsas-formação, com piores condições de trabalho em relação à CLT ou ao serviço público, é algo que enfraquece a proposta por torná-la pouco atraente ao trabalhador, mesmo com a oferta de especialização lato sensu e rendimento 8,3% acima da média salarial nacional da categoria. Tende a ser vista como mais um espécime da vasta fauna brasileira de modalidades de precarização do trabalho. Lembrando que consolidar a precarização do trabalho médico não contribui para reduzir a precarização dos outros trabalhadores da saúde. Se as categorias com mais força de pressão forem derrotadas, fica mais difícil ainda para outras categorias profissionais menos organizadas defenderem seus direitos.

9. Precisamos forjar um pacto social em torno da plena consolidação do SUS, nosso sistema público de saúde. Isso só se dará a contento se as pessoas puderem compreender os problemas do setor saúde e passem a defender que a atenção à saúde das pessoas seja socializada, o que só será possível resolvendo o subfinanciamento crônico à que o SUS é submetido, como bem respondendo as questões levantadas aqui, além do que foi didaticamente colocado pelo professor Gastão Wagner em seu artigo. É importante ressaltar que consolidar o SUS se trata de questão de Estado, e como tal, necessita passar por um debate franco e qualificado com a sociedade brasileira.